7. Bases confiáveis

7. Bases confiáveis: não volatilidade e persistência.

A existência de bases confiáveis, não voláteis e persistentes, acessáveis por linkamento e outras tecnologiasé um corolário da virtualização. O exame dos elementos das peças processuais demonstra isso. E a pretensão de virtualizar o processo em termos mais amplos reforça essa necessidade.  O legislador deve contemplá-las para autorizar sua formação e seu uso.
A virtualização das peças processuais (que permitirá caminhar para a virtualização máxima dos autos, como um todo) e a adoção de tecnologias como a do linkamentonão significam, como pensam alguns, escancarar o processo ao mundo, destruir suas fronteiras, tirar do sistema processual aquilo que faz dele um sistema: os limites, que ele mesmo controla, do que é processo e do que não é processo, do que está no âmbito processual e do que está no entorno do processo. A ferramenta sistêmica, o SEPAJ, em sua concepção, deve estar a serviço do processo e intimamente vinculada a ele, às suas necessidades e à sua preservação.
Sistema é diferença entre ele mesmo e o ambiente[28]. A complexidade fica fora.  O que é internalizado, entra no sistema segundo suas regras e para o âmbito de suas operações (acoplamento estrutural - informação).  Se externo, há de ser estável, no sentido de, em laços de verificação posteriores, alcançar-se a reprodução da operação nos moldes efetuados ao tempo em que o ato processual seletivo e determinante da operação subseqüente ocorreu (autopoiese). 
Portanto, ao falar-se em hipertexto, não se deve pensar na abertura do processo para o mundo externo, incontroladamente e sem memória. O presente do processo deve ser compatível com cada “presente” vivido no passado dele. A possibilidade de reconstituição do caminho feito pelos participantes, no âmbito do processo, até certo momento, deve ser condição da validade processual.  Rápido parênteses: para os que  lembrarem, neste ponto, do processo oral, é importante informar que, no caso, trabalha-se com o suposto do compartilhamento dos fundamentos e com a persistência do decidido, daí dizer-se que a oralidade é condicionada pela imediatidade.  Sem imediação não é possível o processo oral e, no caso, abre-se expressamente mão da “reconstituição de caminhos” – enlaçamento estrutural - nos moldes mencionados acima.  Fecha parênteses.
Retomando a questão de fundo, portanto, vê-se a necessidade de se falar em bases confiáveis.  Base confiável de informação, não volátil e persistente, é aquela fonte que, virtualmente, apenas virtualmente, passará a fazer parte do processo. Os requisitos da não volatilidade e da persistência parecem ser evidentes, uma vez que se quer que os conteúdos dessas bases de dados, na exata forma em que entraram na consideração dos agentes processuais e instrumentalizaram operações no caminho processual – determinaram a evolução estrutural-autopoiética do processo -, se perpetuem no tempo e na forma.  A ideia de não volatilidade acentua a necessidade de imutabilidade da informação. Ao juntar-se a ideia de persistência, realça-se o aspecto temporal.
O instantâneo (a fotografia) tomado da base de dados para promover, internamente, a operação processual e o respectivo acoplamento estrutural, deve manter-se intacto, exatamente como se tivesse sido internalizado em termos “reais”, como se tivesse sido juntado aos autos do processo virtual. 
Todo conjunto de informação, acessável via hiperlink, por exemplo,  com os requisitos da não volatilidade e da persistência, pode ser tomado como base confiável para fins de incorporação virtual. Os meios de certificação dessa confiabilidade devem ser estabelecidos.
É importante – muito importante mesmo – registrar que os requisitos da persistência e não volatilidade não significam “imobilidade”. Numa base de entendimentos doutrinários, por exemplo, os geradores de informação  terão plenas condições de se movimentarem, em seus entendimentos a respeito de qualquer matéria. Bastará criar o novo entendimento, registrar na base e, daí em diante, adotar esse novo entendimento.  A persistência tem a ver com a possibilidade de, a qualquer tempo, poder-se “reconstituir” o momento processual em que a informação entrou (orientou o acoplamento estrutural), exatamente na forma em que foi levada em consideração. Ou seja, tudo que foi produzido com base numa situação ultrapassada de entendimento, deve poder ser reconstituído com aquela situação.  A “montagem” de uma sentença, por exemplo, deve ser possível no futuro, exatamente como foi montada na ocasião de sua prolação.
Inúmeras dessas bases confiáveis já existem. Outras podem ser rapidamente transformadas nelas.  Todas as bases jurisprudenciais, os diários eletrônicos, as bases legislativas, os bancos de dados de convenções coletivas, dados de cartórios eletrônicos, bases da previdência social, bases bancárias, da receita federal, e assim por diante. Inúmeras delas são estabelecidas, legalmente, como não voláteis e persistentes.  Os próprios autos processuais mantidos pelos tribunais são, ou podem ser, bases confiáveis.
Além das bases confiáveis institucionais, poder-se-ia pensar em bases confiáveis privadas, desde que estabelecidos os parâmetros para seu estabelecimento. Os arquivos de fonte de dados (AFDs) dos pontos eletrônicos, por exemplo, poderiam ser depositados em bases especiais, privadamente mantidas, para acesso pelos sistemas processuais. Enfim, os limites dessa ideia são difíceis de estabelecer.
O próprio sistema processual pode ir constituindo suas bases confiáveis, as quais não serão necessariamente internas. No âmbito dele, podem ser criados espaços privados para alimentação pelos usuários[29], para seu exclusivo uso. Certa categoria de conteúdo, uma vez entregue, podem tornar-se inalterável e ser acessada exclusivamente no sentido baseàprocesso. 
Em esquema semelhante, os magistrados podem transplantar para o sistema processual suas bases de informação, exatamente como costumam fazer nos seus esquemas normais de trabalho.  É possível, inclusive, estabelecer bases em rede,  para o compartilhamento da base de conhecimento entre os magistrados. Naturalmente, no caso, com as restrições de segurança que forem julgadas adequadas, inclusive para criar a disposição de compartilhamento junto à magistratura.
Mecanismos de pesquisa bem estabelecidos podem acessar tais bases confiáveis, utilizando com plenitude o princípio da ubiqüidade.  A ideia de instantaneidade deve ser, no caso, interpretada como “imediatidade” – o ausente torna-se presente com a mediação tecnológica – e como instantâneo, momentâneo, fixado no tempo para perpetuar-se na “foto do momento”.
A confiabilidade de bases não voláteis e persistentes alivia o processo da necessidade de internalizar fisicamente a informação. O âmbito do processo, virtualmente construído, espraia-se pelos limites do “utilizado”, o que garante a autonomia processual apesar da virtualidade da internalização do dado.  A persistência permite que se considere a alimentação virtual como válida para considerar os trechos de informação de outras bases como integrantes da própria base do sistema processual. 
O requisito sistêmico da autoreferenciabilidade fica atendido pela virtualidade dos lindes. Uma visão inteiramente pertinente para um efetivo processo virtual.
E, finalmente, tem-se de considerar que a internalização virtual da informação dar-se-á segundo as regras do sistema processual – autonomia sistêmica[30] -, com as garantias da ampla defesa e do contraditório. Tais requisitos, do devido processo legal, serão condições a serem garantidas pelo próprio sistema processual.