5. Tamanho de uma peça processual

5. Tamanho de uma peça processual: função de muitas variáveis

Originalmente, este artigo partia da questão do tamanho das peças processuais para refletir sobre a virtualização. Fazia uma análise das razões pelas quais as peças processuais têm se tornado cada vez maiores, passava pelas variáveis que se articulavam para gerar esse aumento de tamanho e, ao final, desembocava num desmonte analítico-cartesiano de uma peça-tipo para exibir os elementos sobre os quais a tecnologia poderia trabalhar, desde que se adotasse a virtualização. Esse exercício continua válido.
Lembre-se, seguindo na direção apontada pelo neurofisiologista Gazzaniga, que a “história” montada para a consciência parte de elementos de entrada. O processo transformador (intérprete) conhece esses elementos e as expectativas do destinatário (consciência) e gera uma saída que faça sentido para ele.

5.1. Variáveis e elementos de uma petição inicial

Faz-se, nos próximos subitens deste item 4, um exercício rápido, mas útil, para se pensar na virtualização de uma peça processual específica: a petição inicial. A partir dele, é possível pensar em espancar as peças digitais monolíticas do processo, substituindo-as por peças virtuais, inteligentes.
Tome-se uma petição inicial ideal, elaborada com um editor de texto comum. Considerá-la contextualmente e desmontá-la lógico-cartesianamente demonstra que: a)  uma imensidão de variáveis está em jogo e  contribui para um tamanho maior e b) a tecnologia pode ajudar, atuando sobre muitas dessas variáveis, para, entre outras coisas, “reduzir o tamanho”. 
Algumas variáveis interessam para a virtualização. Outras não. Veja-se: o estilo pessoal do redator, a facilidade do famoso copia-cola trazido pelo computador, a facilidade de remendar a peça até o último momento (quem lembra do tempo do carbono? Os recém-formados, ao ouvirem carbono, pensam no efeito estufa! Os antigos ainda lembram do efeito “apaga em cascata, folha a folha!”), a facilidade de acesso e consulta à doutrina e à jurisprudência,  a qualidade do cliente e suas exigências, o “faturamento” (puxa, você cobrou isso para escrever uma folhinha?), a quantidade de pedidos, a quantidade de teses a serem expostas ou analisadas na peça, a quantidade de partes e testemunhas, a qualidade da tese – pacificada ou inovadora – o nível em que a peça está chegando ao processo, e por aí vai. 
Num esforço de organização, que nem de longe pretende ser exaustivo ou adequado,  é possível agrupá-las em ao menos 5 categorias:
a) Subjetivas;
b) Objetivo-contextuais;
c) Tecnológicas;
d) De conteúdo e
e) Estruturais-textuais.

5.2. Variáveis subjetivas

Envolvem qualidades pessoais do redator. Exemplificativamente:  (i) estilo,  (ii) facilidade para expor objetivamente fatos e direito, (iii) nível de conhecimento da língua e dos direitos material e processual e (iv) familiaridade com os novos recursos tecnológicos. A tecnologia só mediatamente pode ajudar no aperfeiçoamento dessas variáveis.
Programas sérios e bem montados para a difusão intensa da cultura tecnológica – que ensinem a tecnologia, desmistifiquem, desmontem medos e “provem” as vantagens de sua utilização – precisam ser parte integrante do esforço de evolução para o processo virtual.

5.3. Variáveis objetivo-contextuais

Não estão ligadas aos redatores, mas ao seu entorno: (i) exigências do cliente, cada vez mais esclarecido e informado; (ii)  necessidade de “produzir para faturar”; (iii) a obrigação de “cumprir metas” e, apesar de tudo, manter a qualidade e as possibilidades processuais (não é só no âmbito judicial que as metas têm sido estabelecidas); (iv) os desencontros judiciais a respeito das teses jurídicas; (v)  os mecanismos de orientação constitucional somente agora estabelecidos com maior rigor; (vi)  a mobilidade constitucional, uma característica do neoconstitucionalismo calcado em princípios tomados como pautas sempre abertas; (vii) as exigências legal-formais para as diferentes peças processuais;  (viii) os rigores em relação à análise da forma, levando todos a pensar em errar pela abundância e (ix) os novos direitos, que chegam em gerações (Bobbio) e desafiam a capacidade de trato das questões e de julgamento em tempo razoável.
Esses são alguns exemplos de como o mundo circundante se reflete (projeta-se e condiciona) no trabalho do produtor da peça jurídica. Todas essas variáveis  tornam mais complexa a operação do direito e obrigam os agentes a utilizar a tecnologia, da forma mais eficaz possível, para superar os desafios. Num mundo de crescente complexidade, a tecnologia pode e deve ser acionada, de forma criativa, para otimizar as condições de trato dessa complexidade.  
Em vários dos exemplos, a virtualização poderá postar-se ao lado do produtor da peça para o auxiliar: melhoria da qualidade sem perda de produtividade, atendimento facilitado das formas etc.

5.4. Variáveis tecnológicas

Ditas tecnológicas porque oriundas da chegada e da incorporação, na vida do direito e do processo,  das tecnologias da informação e da comunicação.
Pode-se destacar: (i) as facilidades trazidas pela tecnologia, no sentido da busca de informação doutrinal e jurisprudencial; (ii) as facilidades de edição de texto, com o famoso copia-cola, encontram-se entre as campeãs da proliferação das peças longas; (iii) as facilidades para incluir coisas nos textos já prontos, que permite responder à inarredável tendência para “aperfeiçoar” a peça (é humano e generalizado!); (iv) o acesso aos mais  variados argumentos encontráveis na internet para acrescentar ao discurso; (v) os mecanismos de busca, as listas de discussão e o amadurecimento das soluções a muitas mãos e cabeças e  (vi) as redes sociais. 
A tecnologia abriu caminhos para a geração do caos em termos de peça processual. Viu-se, acima, que há muita coisa trabalhando na direção da maior quantidade dos litígios. Nos processos daí oriundos, há uma vastíssima cesta de razões, de todas as origens,  para pedir e para contestar.
Nada é demais. Nem suficiente. Sempre cabe mais um argumento. À mão ou à máquina de escrever, ficar-se-ia nas primeiras páginas, após um esforço seletivo do que pudesse constituir o melhor argumento. Com internet, mecanismos de busca, decisões à vontade para consultar, conhecer e prever possíveis caminhos do processo (juízes, composições de turma etc), a abundância jamais é alcançada. Não há ponto de saturação.
Somente com  tecnologia bem usada, com ampla “virtualização” do processo (com ênfase para as peças), pode-se responder a essa exacerbação das possibilidades do jogo processual promovida pela tecnologia.  Tecnologia contra tecnologia.

5.5. Variáveis de conteúdo

Parece axiomático que a complexificação da vida social ampliou, de forma exponencial, a possibilidade de litígios. Não houve apenas um crescimento do número de litígios. Os litígios se qualificaram. Também eles ganharam complexidade. Quantidade de partes, testemunhas, pedidos, preliminares, prejudiciais.  Causas de pedir, razões de defesa. 
As dificuldades de acesso à justiça matavam no nascedouro um torvelinho de demandas. Os novos procedimentos amplificaram o acesso. Trouxeram a facilidade para demandar. A afirmação das minorias e o reconhecimento de inumeráveis direitos, quase sempre ensejadores de grande controvérsia no âmbito moral, vieram contribuir para tornar mais amplas, complexas e extensas as demandas e seus fundamentos.
A tecnologia está na base desse incremento. Usá-la criativamente para responder a esse incremento é um dever. 

5.6. Variáveis estrutural-textuais

Este é o grupo mais sensível  e responsivo à virtualização. A  virtualização funda-se, em boa medida, no tratamento de algumas dessas variáveis. Os elementos estrutural-textuais podem ser:
a) textos fático-expositivos;
b) textos argumentativo-doutrinários;
c) textos argumentativo-jurisprudenciais (ementas, trechos de acórdãos);
d) textos auto-argumentativos e
e) textos extrínseco-formais. 
As possibilidades de reuso desses textos são evidentes. E o conhecimento dos elementos pelo sistema processual abre inumeráveis caminhos para a evolução do apoio sistêmico aos operadores.
A exposição dos fatos deverá ser feita pelo redator. Num primeiro momento, parece não haver espaço, neste ponto, para reuso de textos. Isso não é exato. Há milhões de ações percorrendo os canais judiciais onde os fatos são exatamente os mesmos. O mesmo raciocínio aplica-se para os textos auto-argumentativos, embora de forma mais restrita. O Sepaj deve, também, saber a relação desses fatos com os demais elementos da peça.   
A utilização de suporte doutrinário, que ocupa boa parte das peças processuais, pode e deve submeter-se às possibilidades da virtualização efetiva do processo.
Os apoios jurisprudenciais poluem, permita-se a expressão, a imensa maioria  das peças processuais. Um mesmo texto – uma ementa ou trecho de acórdão – replica-se aos milhões pelas peças. Após o primeiro contato – quando o texto perde a condição de acontecimento informacional – tais textos passam a ser meros ocupantes de espaços em discos e em monitores.
Finalmente, há os textos extrínseco-formais. Eles se espalham aos milhões, nos processos, dos despachos às sentenças. Um alvará não precisa ter vida monolítico-digital, precisa ter vida virtual. Um mandado de busca e apreensão de certo bem vale-se de uma descrição que também deve ser a adotada no leilão e na carta de adjudicação e na decisão que julgar eventuais embargos.  Numa petição inicial, que foi escolhida para essa análise, os textos extrínseco-formais se estendem do vocativo ao requerimento. Os próprios pedidos podem e devem ser enquadrados nessa categoria. Eles são elementos fundamentais da “história montada” e o sistema deve ter firme e bem definido conhecimento desses elementos e suas relações nos autos. Eles serão o grande fio condutor da construção sistêmico-estrutural autopoiética[27].
Enfim, há imenso espaço, aqui, para se utilizar a tecnologia e caminhar, de forma consistente, para a virtualização efetiva das peças processuais. Pode ser exuberante o resultado do desmonte virtual das peças, com a introdução de visões próprias, segundo o interessado na leitura. Os chamados “hiperlinks” podem ser acionados de uma maneira eficaz, no âmbito do sistema processual, para permitir que o usuário, em vez de ler a peça, navegue na peça. É possível criar “visões da peça”, com ou sem jurisprudência, com ou sem doutrina, só auto-argumentos, só fatos, tudo sobre o pedido “x”, enfim, o que se desejar.